CRÔNICAS DE FIM
Capítulo 1
O bar de Geovani se chamava “Regininha” por conta do estabelecimento que antes existia ali; uma padaria fundada em 1950 por seu Antônio. Portuga clássico, chegara em Sergipe vindo da Bahia, vindo dos Açores. Batizou de Confeitaria Regininha em homenagem a sua primogênita de mesmo nome.
Mas Geovani só sabia disso por ouvir a história. Quando começara a trabalhar no Regininha, no começo dos anos 1980, o estabelecimento já era comandado pela própria; uma então quarentona que relembrava sempre a história de seu saudoso pai.
Tão logo veio o plano Collor e Dona Regina levou um tombo. No caso, financeiro. Mas Seu Edmundo, seu marido, se acidentara literalmente - dizem as más línguas que no banheiro, ao tentar observar pelo basculante a vizinha do apartamento ao lado. Na queda, fissurou a bacia e passou a necessitar fisioterapia qualificada - inexistente à época em Aracajú - para recuperar 100% de seus movimentos. Não havia jeito; eles teriam que se mudar para o Sudeste.
Dona Regina bem que tentou vender a confeitaria, mas além de não ter tempo nem disposição para fazê-lo, a verdade é que não haveria quem comprasse. Como estava devendo uma boa quantia para Geovani - seu último funcionário restante - propôs que ele tocasse a operação em troca de um aluguel mensal da estrutura e do lugar. O lucro podia ficar para ele.
Geovani aceitou. Não tinha nada a perder e também mal sabia dimensionar a dificuldade do desafio que se apresentava.
Ele tentou por um tempo levar a padaria, mas a conta não fechava. Pra piorar, sua filha Rosana - protagonista desta história - acabara de nascer. Precisando fazer algo drástico, não quis nem saber: vendeu forno, vendeu forma, vendeu cesto, vendeu até a bike com a qual sua esposa entregava pão - tudo sem consentimento de Dona Regina: que a bem da verdade tava pouco se fudendo; só queria o aluguel - e transformou o lugar na única coisa que acreditava ter potencial de trazer clientela: um boteco pé sujo.
Não foi sucesso de cara. A margem de lucro de cerveja e pinga não é fácil e a clientela humilde não gastava em luxos como salgados. Álcool e nada mais.
Era 1996 pra 1997 quando Geovani fez uma oferta para comprar o imóvel de Dona Regina. Como estava re-estabelecida financeiramente e sem nenhum plano de voltar pra Sergipe, ficou feliz de ganhar um dinheirinho inesperado; pagou a viagem à Disney que fez com os netos.
Tal qual Dona Regina, Rosana crescera no negócio de seu pai. Sempre respeitada pelos bebuns humildes, Rosana passou por todas as áreas do Regininha: seu primeiro trabalho foi ficar quietinha esperando seu pai e mãe fecharem o caixa, depois passou a ajudar na faxina bimestral, depois serviu, depois fechava ela o caixa. Junto com o bom momento que Sergipe, o Nordeste e o Brasil passavam, o negócio foi florescendo. Com dinheiro no bolso, os bebuns começaram até a gastar dinheiro com o bolinho de bacalhau - receita autêntica do velho seu Antonio - que o Regininha servia.
Mas diferente de Dona Regina, Rosana foi estimulada a sonhar e acreditar no seu protagonismo. Por seus pais e por seu país. Era a filha única, a primeira que iria cursar faculdade. E Sergipe crescia, desenvolvia. O Brasileiro estava otimista; a clientela do Regininha não mais bebia para lamentar, mas sim para celebrar. Alguns, em verdade, nem mais bebiam; tinham se convertido evangélicos. Passaram a trazer a esposa e os filhos juntos, pois, com bolsa família, podiam se dar ao luxo de passar um domingo no Regininha com eles comendo feijoada e assistindo futebol e Domingão do Faustão na Globo. Fora o forró, pros que não tinham esposa.
Era quase final dos anos 2000. Já adolescente, Rosana começou a buzinar a orelha de seu pai para que ele expandisse e remodelasse o Regininha. Geovani desconversava. Por um lado gostava e admirava a capacidade de sonhar de sua filha - lutara para que ela a tivesse! - mas por outro sentia que era um pouco ingenuidade dela. O adágio que fala que *alegria de pobre dura pouco* o fazia recorrer a outra “sabedoria popular” socialmente discriminatória e dizer que sabia qual era o seu lugar. Mas Rosana sabia melhor.
Levou o pai às lágrimas numa agência de um desses bancos cuja estratégia era exatamente fazer linha de crédito pra baixa renda: conseguiram um empréstimo - o primeiro da vida de Geovani - para, a toque de caixa, reformar o bar adicionando chopeira, um cardápio, TV e nova disposição. Ao todo, o bar ficou fechado por apenas 1 mês e meio.
A estratégia deu certíssimo do ponto de vista financeiro. A repaginada fez toda a diferença e a clientela fixa deu o suporte para a vinda de novos frequentadores que, de repente, notaram a existência e a vibrância do Regininha e resolveram averiguar qual era a do lugar.
Rosana prestava “consultoria” vez ou outra, mas estava focada na UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde cursava enfermagem. Se o plano Real resetou o sistema e fez Geovani botar a cabeça pra fora, o fome zero e o bolsa família deram poder de compra pra seus clientes e tudo começou a caminhar a contento.
Até que 2014 chegou e tudo mudou.
Geovani adoeceu. Câncer. Rosana teve que trancar a faculdade para tocar o Regininha. Sua mãe ficava encarregada de todo o necessário suporte a Geovani, entrando e saindo de internação no hospital.
Uma vez que de tão onipresente a tragédia passou a ficar de pano de fundo, Rosana começou a reparar o quanto a clientela do Regininha tinha mudado. A contagem de cabeça talvez tivesse até melhorado. A quantidade de consumo, com certeza. Mas os extratos populacionais eram outros.
Os bêbados originais mal davam as caras. Colegas da sua antiga escola - cujos pais tinham ascendido financeiramente de tal maneira a ponto de irem estudar em escola particular - frequentavam o bar. Paravam seus Audis e HB20s tunados na porta - às vezes com o som ridiculamente alto tocando - e bebiam além da conta, jogavam sinuca, assistiam UFC ou futebol - afinal o Regininha tinha feito este investimento num gatonet para ter Combate e PFC - e volta e meia arrumavam confusão entre si ou com outros... mas sempre compravam o perdão de Rosana deixando uma gorjeta desproporcional ao consumo.
Preocupada com os crescentes tumultos e a crescente ausência da clientela original - estimulada tanto pelos novos clientes quanto pela gentrificação em Aracajú - Rosana contratou um segurança para lhe dar suporte. Mas a situação era complicada, afinal, entre os machos bestas e frágeis, tinha filho de político e policial que andava armado fora do serviço. O segurança era apenas alguém desproporcionalmente grande que servia supostamente pra botar medo.
A melhor coisa do Regininha tinha se perdido: a alma do encontro. Com a histeria coletiva que passou a tomar conta do país, o lugar virou um reduto de débeis extremistas e à partir do impeachment de 2016 o trem descarrilhou. Vindicados pelo Golpe, os frequentadores classe média que acham que são ricos - porque não tinha nenhum milionário ali; era só um bando de “filho de” - destilavam sem vergonha todos seus preconceitos, burrices e inseguranças. Rosana se poupava e era poupada das conversas de que “toda mulher é puta”, que “preto só faz prentice” e outras coisas de quem tem pouca massa encefálica e zero empatia.
Mas o desconforto, lógico, batia em Rosana.
Aquele dinheiro que parecia entrar em hordas, ela percebeu, era muito pouco para o que ele estava comprando: sua integridade. A nota fiscal dizia balde de cerveja, ice e vodka, mas a verdade é que, ao frequentar o Regininha, estes imbecis compravam duas coisas não-declaradas: dali pra fora, um álibi de que não eram racistas ou machistas - afinal; frequentavam o que, apesar de toda a reforma, ainda era em alma um pé sujo, um “bar de pobre” com nome de uma mulher, comandado por uma mulher - e, dali pra dentro, compravam a certeza de que aquela era a exceção que comprovava a regra dos estúpidos, porque, apesar de mulher, preta e pobre, *Rosaninha* era querida por todos; tinha “alma de branco”.
Foi ficando cada vez mais difícil pra ela. O ódio e o preconceito sempre mascaram um problema da pessoa com a sua própria existência. Eles começam a projetar nos outros todas as coisas às quais não tem força ou capacidade de lidar. Nunca lhes é suficiente. Começa com o cortar da unha, até chegar ao cortar da cabeça.
Marcão, o segurança - preto como a noite - foi o primeiro a sentir na pele o peso da sua pele. Durante uma noite de UFC, uma das mesas de babacas começou a ver no celular o video de Jair Bolsonaro falando de pretos que não serviam nem para procriação. Um deles - bêbado após meio copo de Red Bull com Uísque - levantou alto, cambaleante e com bafo abraçou o segurança:
- “Menos o Marcão! Ouvi falar que o Marcão tem uma jeba; comeu todo mundo lá em Lamarão!”
Marcão, sentado em sua banqueta, na dele, alerta observando o movimento, só falou: “Não encosta em mim, Playboy.”
Foi o suficiente pro clima esquentar. Não fizeram nada. São frouxos. Mas ficou a promessa. E pouco a pouco, a cada absurdo que Bolsonaro falava e fazia publicamente, foram ganhando a coragem que não tinham para serem tão imbecis quanto seu porta-voz.
Numa tarde, antes de Marcão chegar ao serviço, um dos merdas apareceu com um pôster de Bolsonaro para prender na parede do bar. Rosana ainda tentou argumentar que não queria o pôster ali; disse que não queria se envolver papo de política, que o Regininha não tinha qualquer posicionamento. O babaca ainda fez o bom moço e disse que respeitava a posição dela - como se ele tivesse algum direito a opinião sobre o que ela faria com o estabelecimento comercial e próprio dela... - mas deu aquela ameaçadinha dizendo que a clientela toda dela era Bolsonaro e ela devia pensar bem se ela não queria que eles se sentissem bem-vindos ali.
Rosana era inteligente o suficiente pra perceber que o caldo estava entornando. E malandra o suficiente pra saber escolher quais as batalhas enfrentar: quando começaram a deixar santinhos de Bolsonaro no balcão do bar, ela simplesmente fingia que não via e, quando a pessoa que deixara o material ia embora, ela simplesmente pegava o bolo e discretamente jogava no lixo.
Apesar de ter mutado todos os grupos de WhatsApp aos quais era re-incidentemente inserida, ela sempre olhava as barbaridades que eram compartilhadas e isso foi lhe fazendo um mal. Rosana já não se encontrava em si. Rosana era uma velha lembrança.
O desespero deu lugar à desesperança quando, faltando uma semana para o primeiro turno, Seu Geovani faleceu.
O luto de Rosana foi respeitosamente interrompido por uma mensagem de seus clientes mais charmosos. Ele teve a delicadeza de mandar lírios para Rosana e sua mãe e, representando todos os outros clientes, a inquiriu sobre uma causa muito nobre: queriam saber se o Regininha ia abrir para a grande luta entre Connor McGregor e Khabib Nurmagomedov pelo UFC 229.
O evento era sábado, 6 de outubro. Momentos antes de dar meia noite e a lei seca entrar em vigor por conta do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018.
Rosana demorou a responder aquela mensagem grotesca e insensível. Coletou os pensamentos, interiorizou a raiva, absorveu coragem e engoliu as lágrimas. Como todas as mulheres, seu corpo era pequeno, mas seu interior infinito.
Ela tinha um plano.
Respondeu: “Mas é claro. Só uma noite de Regininha bombando vai arejar minha cabeça. Devo isso ao meu pai. Avisa todo mundo no zap que sábado o UFC vai ferver e, como não posso vender bebida no domingo, vai ser 2 por 1 emoji cerveja emoji cerveja emoji dinheiro voando”
Faltando poucas horas pra abrir, Rosana terminou de passar maquiagem e ajeitar o cabelo. Fizera chapinha. Nunca havia maquiado o rosto para trabalhar no bar. Nunca havia alisado o cabelo para qualquer ocasião. Mas aquela noite pedia.
Assim que Marcão subiu a grade do Regininha, já havia umas 5 pessoas prontas para entrar. Mal o evento começou e Rosana deu um sinal para Marcão. Subiu no balcão, abaixou o volume do sistema de som e falou pra todos: “Atenção, clientes! A melhor noite de hoje é aqui no Regininha! Avisa aos amigos! Rodada de cerva pra todo mundo de graça e um presente especial pra todos meus clientes que vierem! UHU!!!” e levantou sua blusa mostrando seus peitos cobertos apenas por um soutien.
A platéia de boçais foi a loucura. Após anunciar que ia servir pessoalmente cada mesa com o chopp de graça, Rosana procurou com os olhos Marcão, que sinalizou como se dissesse “missão cumprida”. Ele havia filmado e disparado nos grupos de WhatsApp.
Em pouco tempo, o Regininha tava com gente saindo pelo ladrão. Todo o pior tipo de pessoa de Aracajú estava se apertando pra ganhar chopp de graça e, se tudo der certo, ver um par de peitos da pretinha de cabelo liso do Regininha. Deu de tudo; casado que abandonou jantar de família, pai que esticou ali depois da festa de 3 anos da filha e até o pastor da Igreja em frente.
O que nenhum deles percebiam era que Rosana estava enganando e atraindo todos eles para o Regininha sim pela memória de seu pai; mas não da maneira que pensavam. Usando-se de seus conhecimentos intelectuais e interpessoais adquiridos do curso incompleto de enfermagem, Rosana descolou doses cavalares de Flunitrazepam (também conhecido como Rohypnol, ou “Boa-noite, Cinderela”). Tendo atraído toda sua clientela de Bolsominions, usaria o chopp de graça como cavalo de tróia para o “Boa-noite, Cinderela” que faria todos do bar dormirem até o fechamento das urnas às 17h do dia seguinte.
Os 200 e poucos votos a menos fariam diferença e tirariam Bolsonaro do primeiro turno? Dificilmente. E Rosana e Marcão tinham noção disso.
Mas não era essa questão.
A questão era fazer a coisa certa e cobrar de volta tudo que não vinha sendo declarado na nota fiscal da relação Rosana-Clientes.
Era tomar ação e fazer sua parte.
O plano foi indo bem. Marcão, normalmente parado, só se mexendo quando para apartar alguma confusão, estava volante. Passava pelas mesas para garantir que todos estavam bebendo seus drinks soníferos. Se alguém não tivesse, avisava a patroa, que ía até o cliente pessoalmente e, jogando charme, o fazia beber.
Até o momento em que Rosana foi puxada pelo braço num canto pelo mesmo cliente bom moço que mandara a mensagem. Era ex-colega de turma quando criança e emissário do resto. Rosana levou um susto e se armou, mas ele logo pediu desculpa e, com sorriso doce, falou:
- “Você tá bem?”
- “To e você?” - disse Rosana, dando dois beijinhos, como se tivesse encontrando-o.
- “Não... não é isso. Você tá bem? Negócio do seu pai...”
- “Ah... to triste, né? Mas ele vinha sofrendo muito... melhor assim.”
- “Claro, claro. Eu rezei muito por ele.”
- “Ai, brigada” - disse Rosana com uma falsidade...
- “Mas... você tá bem mesmo? Qualquer coisa você pode me falar.”
- “Eu to bem. Dentro do possível, eu to bem” - disse Rosana já um pouco começando a se enervar.
E não é que ele estava naquele papo de bêbado.... Rosana pensava que ele estava só forçando um cuidado, uma preocupação que não era genuína e não se comovia; qualquer máscara de humanidade daquele povo tinha caído há muito.
Mas Rosana leu errado. A preocupação não era com o seu mal-estar e sim com o seu *bem*-estar.
Ele logo foi falando que ela estava esquisita; toda arrumada, com cabelo alisado. Que muito estranhou ela subir no balcão - pior ainda quando levantou a blusa; ela “não era assim”.
O problema para ele era que, ao sair de trás do balcão, ao cuidar de si e se apresentar livre e pimentinha, Rosana traía a expectativa dele sobre ela. Diferente de seu finado pai, Rosana “não sabia o seu lugar”. Ela podia andar entre eles, mas só numa específica raia. Ela não era parte deles.
- “Na real eu só vim aqui porque eu vi o video e fiquei preocupado com você. Eu nem vinha... vou ser mesário amanhã. Não posso beber.”
Rosana olhou para o lugar onde ele estava e, de fato, não havia bebida alcoólica. Marcão não deve ter reparado.
Aquilo era um problema.
Se todo mundo começasse a cair no sono - e ela olhou no relógio e faltava pouco para o momento onde isso aconteceria - o “bom” e sóbrio moço poderia reparar a estranheza disso, juntar os pontos e criar um problema. De fato, olhando o salão; já se percebia um ou outro até meio encostados, prestes a entrarem no sono.
- “Eu não vou contar pra ninguém se você não contar pra ninguém” - disse Rosana, odiando ter que prostituir sua sedução para sobreviver.
- “Para com isso, Rosana! Você não é assim.”
O medo da escalada de volume da voz e da expressão corporal do bom moço ativou os canais lacrimais de Rosana. Depois, a raiva segurou todo o transbordar. Por fim, no fingimento, deixou uma lágrima furtiva cair: “Você tá certo. Eu não sou.”
Suspirou fundo e falou que tinha que resolver umas coisas rapidinho, mas que adoraria que ele a encontrasse na salinha de gerência que ficava nos fundos para que ela pudesse desabafar um pouco. Ela queria a “orelha amiga” dele, mas não aceitaria se ele não bebesse alguma coisa na conta da casa. Ele recusou, recusou, mas aceitou uma Schweppes Citrus, devidamente batizada com o “Boa-noite, Cinderela”.
Rosana explicou rapidamente para Marcão tudo que estava acontecendo e pediu que ficasse de olho - se alguma coisa acontecesse, que batesse à porta. Eles sairiam pela porta dos fundos.
O bom-moço nem reparou que a mesa ao lado da porta da salinha já estava nos braços de Morfeu. Ajeitava o cabelo excitado com o fato de ter um mano-a-mano com Rosana numa sala à noite. Na cabeça do machista isso é um convite para transar.
Quando Rosana fechou a porta atrás dela, o barulho ficou pra trás. E isso dava medo em Rosana, pois significava que do outro lado também não os ouviriam.
Mas essa história não tem final ruim.
O bom-moço logo tomou um golão de schweppes - Rosana e Marcão tinham botado o ar-condicionado quente para que todos sentissem calor e bebessem muito. Ele não teve tempo, nem oportunidade de fazer nenhuma investida. Rosana não teve que fazer muito além de ficar falando sobre estar triste com a morte do seu pai. Fraco, rapidinho o bom-moço começou a falar incongruências, dizer que tava com sono, até adormecer.
Na mesma hora, à porta bate-se 5 vezes.
É Marcão.
Ele abre, vê a cena e aponta com a cabeça pro salão: “Tá feito”.
Rosana anda com ele e vê a cena, 200 e tantos boçais largados um em cima do outro, pelo chão, pela mesa, pelas cadeiras. Só a TV anunciando: “Tá na hora do evento principal da noite!”
Marcão fecha todas as portas do Regininha. Só estão ali ele, ela e 200 e poucos fascistas eleitores de Bolsonaro.
- “Pegou o celular de todo mundo?”
- “Peguei”
- “Desligou o celular de todo mundo?”
- “Desliguei” - disse Marcão -“Tem certeza que esse povo vai dormir até as cinco?”
- “Até as oito. Mas ao meio-dia eu vou dar outra dose pra todo mundo. Não esquece do plano!”
O plano era, na madrugada de domingo pra segunda, com todo mundo dormindo - não só eles no bar, mas a cidade toda - “devolver” os fascistas desacordados para lugares perto da casa de cada um, ou outros lugares que corroborariam com a tese de que beberam tanto que ficaram desacordados na sarjeta. Depois disso, ambos fugiriam de carro rumo a algum lugar bem longe dali para nunca mais voltar.
- “Não era melhor tacar fogo na porra toda?”
- “Não. Eu quero que eles saibam. E sintam vergonha de contar que foram enganados por uma mulher preta e pobre.”
Quando Marcão coloca o “bom-moço” em cima de uma pilha de outros fascistas como quem derruba um saco de batata no chão, Rosana sobe mais uma vez em cima do balcão.
Saca seu telefone, põe a língua pra fora, ergue o dedo médio e tira uma selfie com os merdas todos ao fundo.
Envia a foto para todos os celulares presentes com uma mensagem de uma palavra: “Mitei.”
FIM (mas continua)