domingo, dezembro 29, 2019

Não sei nem qual adjetivo usar pra pessoas que passam a vida toda fazendo/sendo um merda e aí chega no final (ou quando passa por um aperto que faz parecer ser o fim) e faz o arrependido.

Minha irmã me manda uma mensagem de natal e pede pra que eu ligue pro meu pai, pois ele teve uma arritmia e uma ordem de despejo e não sei o que, pedindo pra eu relevar tudo e ligar pra ele blablabla.

Eu decidi que não. Não dessa vez. 2018 foi um divisor mesmo.

Eu passei a vida toda batalhando e denunciando os jeitos do meu pai comigo. E com a gente, com todos os filhos. Mesmo não sendo o mais velho, fui o primeiro a notar isso e reclamar. Aos 12 anos, fiquei um tempão sem falar com ele. Só conheci minha irmã mais nova quando ela estava prestes a fazer 1 ano.

Num momento eu entendi e relevei seus defeitos. Fiz as pazes com a forma como ele é, com o foco na carreira (nele mesmo) acima dos trezentos filhos que ele fez muito provavelmente com o intúito de controlar/prolongar a relação com suas companheiras cansadas de serem preteridas pela carreira e controladas pela sua forma autoritária (e machista). Porque o esforço (já tá errado aí, né?) pra praticar a paternidade era zero.

Fiquei naquela de me ater às coisas boas. Focar na contribuição artística ao mundo, grato pela predisposição artística repassada geneticamente (se é que isso existe), o papo maluco bom (mais próprio a um amigo do que um pai) e outras coisas que desconfio que trocaria fácil pela tão mais rara relação pai e filho. Nessa vibe de enxergar o lado bom das coisas, isso tudo me deu distanciamento e anticorpo pra ficar super bem. Eu estava fora da zona de controle dele, meu próprio homem, independente. Podendo me nutrir do que era bom e não esperar algo que não viria.

Mas aí veio 2018 validando todos os ressentidos do Brasil. Se antes ainda havia um pouco de vergonha que censurava os impulsos mais escrotos do meu pai, eles não tinham razão pra ser agora. Ele, pimpão, recolocou as mangas de fora, retrocedeu tudo. Não comigo; moro longe e, como disse, sou independente há muito. Mas causou bastante dor aos meus irmãos - mais próximos a zona de controle dele - e aí foi fácil e natural retroceder a relação e voltar à indiferença que havia antes.

E nem fiz nada de mais. Sou fiel à noção de que o contrário do amor não é o ódio e sim a indiferença. Só risquei da minha lista de preocupações e considerações o "se importar" com ele e minha relação com ele. Aí, ano passado, houve um drama porque eu não mandei mensagem no Natal - o que por si só já era hipócrita, pois (i) isso era exatamente uma das coisas que eu reclamava que ele, como pai, não fazia; ligar no aniversário e outras datas... enfim, "procurar", mostrar interesse e (ii) é uma via de mão dupla; porque ele não ligou? Seu telefone não é bloqueado no meu.

Depois, já em 2019, quando do acidente de carro, ele falou, pelo meu irmão, algo tipo "ah, não sei se ele quer falar comigo, então deseja aí melhoras pra eles"... tua neta e nora há 7 anos tão no hospital e você tá com medo de ouvir um "obrigado, mas não quero falar com você" (que nem aconteceria; em momento fragilizado, eu ia gostar de ouvir palavras de conforto, mesmo não o tendo em mais alta conta... quem não gosta de palavras de conforto? quem não gosta de bondade?)

Enfim... com toda essa folha corrida, ironicamente, agora é pedido pra que eu seja "the bigger person" e poxa, liga lá pra ele. Faça ele, que passou a vida inteira sem se esforçar um pouco pra fazer você se sentir bem, se sentir bem que você ligou e "perdoou" seus erros. Faz você o esforço e não ele. O devedor é que recebe.

Até na sua redenção você quer fazer os outros se sentirem mal? Tenho EU que engolir todos os sentimentos pra não sentir culpa de algo que é tudo coisa que VOCÊ tem que processar? É impressionantemente "on cue" com tudo que você representou nessa área da sua vida. Não houve um centímetro de mudança. Você teve tudo que você se predispôs a fazer de verdade.

Mas pós 2018 eu me livrei das amarras sociais. Eu não to mais no chat da minha outra família e não procuro mais eles também (embora tenha muito mais carinho histórico por eles e, numa situação igual a essa, agiria diferente com eles), "amigos" ficaram pra trás também, e não faço mais sala pra quem é legal comigo, mas um escroto pro todo.

Então pensei, ruminei, sofri... decidi que não ia mandar mensagem não. Ainda assim, se ele ligasse, eu falaria (friamente); não sou um escroto. Tenho compaixão e empatia. Mas não ia ceder controle pra ele, não ia eu validá-lo. A culpa e o choque são educativos. E, francamente, são as únicas armas que a gente tem às vezes.

Não cola comigo "mas ele é velho". Exatamente. Teve esse tempo todo, bando de tentativa e erro pra ficar sábio e ficou velho. Agora que a vida parece no fim, se vê sozinho, vê tudo que fez errado... e nem o esforço de buscar redenção faz? Tem medo de ouvir um ou dois "não", depois de uma vida inteira o dando pros outros? Snowflake. Não entendeu nada do trajeto de sofrimento e humildade do Jesus que ele (há pouco tempo, really) passou a se fiar. Se não tivesse parecendo no fim da vida... teria esses arrependimentos fajutos? Do que adiantam sem ação?

Com tudo isso, decidi com o pé atrás não mandar mensagem. Minha mãe, mesmo com todo o histórico, sem gostar nem um pouco dele, disse que eu deveria ligar. Ficava com pena e tal. E também com medo de, se algo acontecer, eu me sentir mal. Mas pensei na hora e venho pensando e achando mesmo que (i) vaso ruim não quebra fácil. O cara tá todo bionico, ja teve mil problemas de coração e tá aí. Meu avô era a mesma coisa. E (ii) que nunca, nunca, nunca podemos nos sentir culpados pelas opções dos outros. Só somos responsáveis pelas nossas ações e, sim, elas podem refletir nos outros, há que se ter responsabilidade nas nossas ações. Mas a gente não é Jesus pra ficar se martirizando pelos outros; temos que cuidar de nós mesmos. Mais e mais eu percebo o quanto essa vida é tudo que tenho e quero poder vivê-la da maneira mais prazeirosa possível. Preservando minha saúde mental e espiritual. Valorizando e retornando a quem me faz bem. Gastando minha energia com isso. Quebrando o elo com o que me faz mal, dando-lhes a chance de parar de fazer... não quis agir em cima disso? Então faço eu mesmo.

Vivendo as minhas culpas, os meus acertos. Os meus erros, meus consertos. Vivendo a minha vida e não a dos outros. E, apesar de eu ter vindo da sua vida, você hoje simplesmente não faz quase diferença na minha. O que tudo bem, pois eu por muito também não fiz na sua. Embora não seja um troco, agora você sabe como é.

E não há qualquer ressentimento enquanto digito isso. Pra provar isso, uma honesta consideração de quem pode te ensinar, pois já esteve lá: se agora, revendo a  sua vida, você acha que eu fiz parte da sua vida como um arrependimento... primeiro, poxa, sinto por você. De verdade. Mas é melhor fazer as pazes - como eu fiz há muito - que só pontes superficiais podem ser feitas entre nós agora. Não acho que há muito tempo pra criar algo realmente forte. A urgência é só sua. Tenho mil outras prioridades com gente que sempre esteve lá por mim. Aceita isso - aliás, agradeça isso, pois minha irmã, por exemplo, teve muito menos gente assim com ela - e passa adiante. Use seu talento e reputação. Tente falar com quem tem menos histórico contigo, mostre seu arrependimento a essas pessoas, aponte a elas tudo que você faria diferente se pudesse, pra que ela não cometa o mesmo tipo de erro que você cometeu. Cuide de quem ainda espera e se nutre do seu amor e atenção.

E vá em paz. Está tudo bem.