sábado, outubro 26, 2019

To gostando tanto de ler o livro do Melvin (Estrada - Mil shows do Melvin), que vou copiar e fazer um post no mesmo estilo.

Assim, guardadas as proporções, né? Fiquei fazendo as contas na cabeça e imagino que fiz entre 50 e 100 shows - mas mais perto dos 50 que dos 100. A maioria com o Canvas (mas nem sei dizer quanto... na casa dos 20? 30?), Weezer cover (uns 7?), Carbona (uns 4 substituindo o Melvin?), The Invisibles (2 substituindo o Rubinho), um show só do Reverendo, um show com o Rafa Cosme (e a Olivia Develly numa musica!) tocando o Back 2 Basics do Carbona (foi um momento histórico) e outras ocasiões tipo London Burning All Stars(2), sarau do Notre Dame, show de fim de ano do Antonio Adolfo.

Mas pro meu pequeno currículo, depois de muitos anos tempo sem adicionar nada, nessas doideiras da vida, acabei adicionando alguns shows com a lenda do underground carioca Mauricio Baia. Conheci ele aqui em Miami, pois é casado com a Kathleen, que é amiga da Mari Britto, e por isso, quando viemos há 3 anos pra ca, conhecemos a irmã dela, Chanda. Enfim; historia doida ne? Pra melhorar, ele já trabalhou com meu pai e com a Roberta. Enfim... ficamos amigos, ano passado só, se escorando um no outro enquanto víamos o Brasil eleger Bolsonaro. No dia do primeiro turno da eleição fomos lá pra casa dele pra respirar um pouco e lembrar que nem todo mundo era cruel. Aqui, 87% dos votos favoraveis no primeiro turno, é difícil de lembrar que nem todo mundo é cruel.

Levou um tempo até ele descobrir meu passado musical, apesar da herança familiar. Apesar dele, com certa razão, falar pra eu parar de dizer isso, não sou musico. Eu sei o quão difícil é e o quanto de gente mais talentosa que eu tem por aí nesse meio. É mais uma brincadeira, um amor que tenho. Que mesmo assim, na brincadeira, vivi um bando de hit and miss e nunca cheguei muito a lugar nenhum (seja por culpa minha ou não, quando eu tentei a vera ou quando fiz quase de sacanagem)

Mas enfim... quando comprei um baixo usado, ele se empolgou e falou "vem tocar comigo, man". Marcou um show num lugar que tava abrindo, ensaiamos por vária semanas as musicas que ele gravou no seu ultimo disco "Bossa in Dylan", clássicos de Bob Dylan em versão bossa nova. O show seria só eu no baixo, ele no violão.

Foi o primeiro de uma série de shows inusitados. Neste primeiro, ao chegar ao local, "Black Market", em Downtown, estava passando a semifinal(?) da Copa America, entre Colombia e Chile e tinha uma galeria colombiana no bar, no primeiro andar, vendo o jogo. O show seria no segundo andar, após o jogo. O lugar era maneirissimo. Bem bonito, recém aberto. O problema é que a Colombia perdeu(ou eram chilenos; o lance é que o time deles perdeu) e basicamente ninguem ficou. O show ficou bem vazio, porque o lugar era gigante. Fora as sequelas do Baia, que esqueceu de avisar o cara da casa de que eu ia tocar também. "Achei que era só voz e violao!". Resultado? Não tinha onde ligar meu amp. Teve que fazer uma gambiarra e ligar meu baixo em linha. Resultado? Não ouvia o baixo, que saía em algum lugar no PA da casa grande. Se ouvia algo, era com delay. Teria que tocar no feeling, torcendo pra estar saindo direito aquelas musicas que caminham pra caramba e tinha conhecido há umas 2 semanas. Não parou aí... ele fez um setlist, pra chegar na hora e mudar tudo, pular musica e de repente, do nada "Queria convidar minha querida amiga Isabela do Natiruts(!) pra cantar uma musica aqui comigo" e eu "oi? ninguem me avisou isso! como assim? que musica?" e fazer meu melhor pra tocar algo que nunca toquei na vida, sem me ouvir, com a mina do Natiruts(!!) que brotou ali na hora, em Miami.

Grande Baia!

Depois desta louca experiência, fizemos outros "shows". As aspas porque foram aqui em casa, pra Luisa e pra Kathleen e toda a vizinhança, outra vez pros amigos no meu niver, e uma vez só pra Dora, filhinha dele, que pediu pra gente tocar o show inteiro pra ela. Sim, vou contar tudo isso como show; o Melvin conta bloco de carnaval, então eu conto quando a gente mete o setup dele da Behringer com microfone e caixa de som e abre as portas da varanda pra Edgewater inteiro ouvir.

E aí chegamos à esse show de hoje.

Eu dei um bolo nele uma vez, porque ele apareceu do nada "bora tocar amanhã numa tattoo shop de um amigo" e no dia ele surgiu com varias musicas dele (e não do Dylan) pra tocar e eu falei "cara, toca sozinho; é melhor, vou fazer merda". E aí combinei com ele de pegar as cifras, pedi pra ele selecionar "as mais queridas" (basicamente o DVD "Baia e o Circo" dele) e me comprometi a aprender pra que quando ele fizesse o louco eu conseguisse embarcar ehehe E aí foi essa semana "man, vamos fazer um show beneficente nessa sexta la em Key Biscayne!". Dessa vez eu falei "bora". Ainda mais sendo beneficente. Bora, por que não?

Não seria o Baia e eu se não fosse muito doido. Era um clube de golfe, super chique. Chegamos, montamos nosso som. A ideia era tocar no comecinho da festa, warm up pra que as pessoas ficassem no hall de entrada - onde fazia-se as doações beneficentes. A musica ao vivo ali ficava tanto como "pano de fundo", porque era um publico que não se importava muito com isso, mas também ajudava a não ficar aquele silêncio awkward. Fazia com que eles ficassem conforáveis ali, conversando e estando expostos à área de doação. Então show. Nosso papel.

Mas sem qualquer estrutura. Montamos ali no chão mesmo, ligando as coisas numa tomada atrás de uma árvore... um medo danado do vento derrubar as caixas foi substituido pelo medo da chuva, que não tardou a vir e nos fazer desligar tudo e montar um pouco mais pra dentro da tenda. Isso e os convidados chegando...

Ah... eu falei que era uma festa de halloween?

Sim. Eu toquei todo de preto, com camisa do livro do Melvin e uma maquiagem nos olhos e na bochecha um desenho tipo de cicatriz frankenstein. Baia com camisa e chapeu de espantalho.

E aquela questao de não ter nunca tocado com o Baia as musicas. Eu tinha ensaiado sozinho. Uma vez, porque a vida tem andado bem dificil por aqui. E algumas que ele botou no setlist, adivinha? Nunca tinha ouvido. Peguei a cifra de "Tu" (um xote delícia dele que anda pra caramba) e coloquei de cola ali , com uma parte embaixo do amp. Os convidados - tenho que dar pra elas que estavam bem fantasiadas - não podiam se importar menos que tocaríamos ali.

E aí fiquei pensando...

Baia, essa lenda, com décadas de estrada, tendo tocado no Rock in Rio, Montreux, lotador contumaz de Circo Voador, tocando ali, amarradão, ACIMA de tudo isso... e eu vou me preocupar em saber as notas ou nao?

Eu vou me divertir e aproveitar o momento e desfrutar de tocar com essa lenda e ser parte de um momento que é marcante não pela glória mas por quão pitoresco é. E mais: vou fazer ser ainda mais pitoresco. Resolvi que ia entrar no personagem halloween e passei a tocar encarando as pessoas, com os olhos esbugalhados, a cabeça arqueada pro lado, meio cachorro, meio Edward Mãos de Tesoura, e do tronco pra baixo o mais ereto e imóvel possível.

O que suscedeu foi um showzão. Especialmente a sequencia inicial de You're a big girl now / Knocking on Heavens Door / Eus / Fulano, Cicrano e Beltrano / Lembrei / Baia e a Doida. Toquei lindamente, deixei muita gente sem graça, fiz o Baia rir e foi show. Acho que foi o melhor show que fizemos juntos, talvez exatamente por não estarmos nem aí pra tudo. Pro "nome', pra "imagem", pro "sucesso". O máximo rock and roll que existe. Na hora de "Tu", que eu tinha deixado a colinha, é claro, tinha que dar merda. O vento bateu, um guardanapo cobriu a cifra, e, nao obstante, Baia ainda pulou uma parte da musica hahaha

Enfim, terminamos com "Anunciação" do Alceu, já rendendo algumas mulheres à dança. Quando o show acabou e eu revivia meus tempos de roadie do Netunos (adiciona uns 15 shows aí pra eu ficar mais próximo de 100!) eu fiquei pensando que são esses os shows que dão historia. Que se o Baia fizesse um livro sobre sua interessante historias, essas coisas renderiam minha participação lá. Que se tudo saísse bonitinho, não tinha muito o que falar. Perfeito é boring. Os perrengues, o inusitado; são esses os tijolos que formam a estrada. E essa tem sido a minha. Cheia deles e eu teimo em seguir nela, sem parar, sem ser parado, sem aceitar o fim da linha.

Porque como diz o Baia o tempo todo:
"É caminhando que se caminha".