quarta-feira, novembro 15, 2017

Você já sonhou em ter um superpoder? Claro que já. Todo mundo já.

Eu descobri que tinha um superpoder bem cedo. Tinha 6 ou 7 anos. Era o meio de um jogo de futebol, tava caindo um toró lá no jogo e também em casa, de onde eu assistia, pela TV. Foi quando o meio campista lançou a bola na área adversária: o atacante saiu correndo para cabecear a bola, mas o goleiro o empurrou e ele caiu no chão; Pênalti! uhu! Vamos ganhar!

Eu fico de joelhos, pego um pequeno crucifixo, fecho os olhos e começo a rezar. Enquanto a câmera foca no atacante se preparando para chutar o pênalti, um raio cai por perto e o trovão ruge TÃO PESADO que a minha televisão treme. E foi ali... naquele momento eu descobri que tinha o superpoder... de prever se o jogador vai acertar ou perder o pênalti.

Não é voar... mas pelo menos eu tenho um superpoder; o que é tão especial sobre você?! Hein? Você tem visão raio-x? Se teletransporta pro outro lado do mundo em 2 segundos? Não, né? Então, chupa.

Enfim, desde aquele momento, eu passei a conseguir dizer se o cara ia errar ou acertar. E sabendo que eu tinha tanto poder e responsabilidade... eu fiz o que qualquer um faria nessa situação: explorei esse dom para ganhar dinheiro.

Mas era difícil, sabe? O jeito mais óbvio, é claro: apostando. Mas você tem que ir assistir um jogo e esperar acontecer um pênalti (e isso não acontece em todo jogo, a não ser que tenha o Vasco ou o Corinthians em campo) e tipo... tem que achar alguém pra apostar contra você.

E é perigoso também. Eu fui a um bar assistir um jogo e tava lá estendido um corpo no chão: pênalti! Tinha um broder lá muito feliz pela marcação do pênalti. O time dele precisava desesperadamente de um gol. Eu olhei pra cara do atacante e era bem óbvio que ele não ia acertar. Eu desafiei o broder. O resultado? Eu ganhei... um olho roxo. Porque ele ficou puto que eu acertei.

Então apostar não rolava. Eu tentei fazer de uma maneira mais profissional e ofereci meus serviços para times profissionais. Meu cargo era: Diretor de Penalidades Máximas. Sempre que tinha um pênalti eu era chamado. O batedor oficial ficava lá, parado perto da marca de cal, pronto para chutar. Se eu olhasse para a cara dele e previsse que ele ia errar, eu sinalizava pro Técnico, que ia e trocava o batedor.

No entanto, como em muitas histórias de super-heróis, eu me embriaguei de poder. Subiu à cabeça. E de repente eu passei a prostituir meu poder. Era tipo um leilão; eu trabalhava oficialmente para um clube, mas se um adversário me oferecesse mais dinheiro ali no momento do pênalti, eu não avisava o Técnico; deixava o cara que perderia o pênalti chutar.

Eventualmente a FIFA decidiu me banir do esporte, porque, não só eu estava atrasando o jogo com tudo isso; mas também porque eles não ganhavam em cima dessa transação. É... não pra cima de mim, seus ladrões de gravata!

Daí, decidi me focar nos jogadores. Se eu ensinasse-os a "aparentar" como se fossem converter o pênalti, então talvez eles conseguissem enganar o destino. Mas sei lá; parece que eles nunca colocaram os corações deles de verdade nisso, porque toda vez que eles tentavam eu conseguia ver que eles não iam acertar. Eu acho que eles nunca deram o melhor deles, sabe? Jogadores mimados.

Mas não desisti. Eu tentei trabalhar um outro ângulo. Não era mais enganar o destino, mas confundir o oponente! Se eles parecessem que iam perder o pênalti, talvez o goleiro ia relaxar e pensar que tava tranquilo e aí ia ficar mais fácil para eles acertarem, entende?

Então comecei a aconselhar os Técnicos a sempre ter jogadores que fingissem ser péssimos jogadores entre os 11 titulares. Quanto pior, melhor. E funcionou muito! Em certo momento, um Técnico tinha um jogador com apenas UMA PERNA em campo! Ele converteu sozinho 11 pênaltis naquela temporada. Só perdeu um, porque estava escorregadio e no último pulo dele em direção à marca de pênalti, ele escorregou e a bola foi pra fora.

Obviamente eu previ isso antes dele escorregar.

Eu era famoso em toda comunidade futebolística. A FIFA me queria morto (ou aliado a ela), jogadores e técnicos e torcedores me queriam ao seu lado.

Era uma alegria o poder que possuía? Claro. O mundo estava aos meus pés. Pensava que, sabendo o que iria acontecer, eu podia, no mínimo, shapear para fazer como se eu tivesse sido o cara que fez aquilo aparentar ser o que estava prestes a acontecer ser o que eu queria. Fez sentido? Tenho certeza que não. Era o tanto que eu estava embriagado de poder.

Até que, um dia, algo aconteceu que realmente mudou tudo para mim.

Era um jogo da Copa do Mundo e eu estava lá na torcida. Eu não estava trabalhando porque era Holanda vs. Angola. E, bom... coisas que você tem que saber sobre mim: eu odeio a Holanda! Eu sei que você deve estar tipo "por que diabos você odeia a Holanda, cara?!". Na real tem vários motivos, mas o principal é que a Belgica é muito foda e a Holanda é tipo o maior inimigo deles. E a Angola, a oponente do dia... bom, eles não tinham o dinheiro para me pagar, sabe? Eles são uma nação pobre e é um serviço caro. Fora que eles são vermelho e preto, que é a cor do Flamengo, então eu também não sou lá muito fã deles. Por que diabos eu estava no jogo, então, você pergunta. Porque o ingresso tava barato e era a Copa do Mundo, po...

Enfim; eu não estava trabalhando para nenhum dos dois times/países. Mas assim que o Holandês foi ao chão e o juiz assoprou o apito sinalizando o pênalti, todos os jogadores - os de Angola e os da Holanda - eles meio que fizeram um círculo ao redor do Angolano que iria chutar.  Eu não conseguia ver além deles e, momentos depois, todos desbandaram em direções diferentes e foi aí que percebi... tinha uma MÁSCARA na face do cobrador do pênalti!

Ele coloca a bola na marca, eu tento olhar os olhos do batedor dentro do buraquinho da máscara, mas não consigo! Não dá pra dizer se ele vai acertar ou perder o pênalti!

Minha mente corre, meu coração bate... que.diabos.vai.acontecer.agora?!

Eu fecho meus olhos e começo a ouvir apenas barulhos. Sem dizer o que iria acontecer.

O batedor mascarado corre até a bola...
a torcida vai à loucura...
ele chuta a bola...

E no meio do caminho...

A bola vira uma pomba, que vira uma bomba, que destrói Israel e inicia a Terceira Guerra Mundial, que eventualmente destroi o mundo e só um Homem sobrevive e ele se masturba até o fim dos seus dias, que acontece por causa de uma hérnia fatal.

Ou então foi gol e foi tão incrível que eu decidi nunca mais usar meus superpoderes de novo.