domingo, junho 17, 2018

A resenha de hoje é aquela que você pensa: caceta, essa brincadeira tá ficando séria demais.

Mas o que posso fazer se só ando com pessoas do mais alto calibre, se transito entre o popular e o erudito, com a malemolência que só um Brasileiro pode ter?

Você deve reconhcer o nome Pedro H G F de Souza se você for um acadêmico. Só assim mesmo.

Para nós, ele sempre será o Pedro. Pedro Herculano, Pedro Souza ou Sedro Pouza. Meu amigo de infância, que, apesar de o ver em pessoa bicentenialmente, sempre se faz presente nas minhas rememoriações de causos engraçados da adolescência, como quando ele acabara de tirar carteira de motorista e, manobrando seu carro novinho na garagem, comigo troca as seguintes palavras:

- "Dudu, me avisa se encostar"
*CRRRRRR*
- "...encostou"

Ou causos de seu pai, Antonio - como quando ele comemorou a expulsão de Ronaldinho Gaucho em 2002 (ver 5 posts atrás).

Pedro era dono do primeiro blog ~da galera~, o cincominutos.blogspot.com, onde ele - e de vez em quando alguns amigos convidados; como este que vos fala - resenhava TUDO que via pela frente. Foi lá que começou esse lance de resenha de sanduíche da Copa. Ele ia fazer, como sempre, chamando os amigos, mas acabou que o blog acabou antes e eu acabei carregando a tocha no meu próprio blog.

Então é meio que full circle isso aqui. Que bonito!

Mas não só isso...

Sociologista do mais alto gabarito, Pedro é um dos pesquisadores mais respeitados do Brasil, tendo sido autor dos mais comentado estudo sobre desigualdade e distribuição de renda de 1928 até 2012. Ele sempre foi um crânio. Em 2000, quando precisava passar na recuperação em Química, ele que me deu aula particular.

Por essas e outras, me dá mó orgulho de trazer pra vocês o texto foda de uma pessoa do mais alto gabarito - acadêmico e emocional - resenhando... o sanduba McItalia. Adoro o quão desperdício é esse blog!




McItália por Pedro H. G. F. de Souza

Sejamos racionais: a Copa do Mundo não faz mais sentido.

Um país constrói um monte de arenas (sic) idênticas e desnecessárias para receber jogadores exaustos e desmilinguidos para jogar em seleções meia boca que perderiam de qualquer time financiado por dinheiro esquisito do mundo árabe. Tudo é embrulhado num nacionalismo chic de novela das oito e em um clima corporativo que mata a paixão mais rápido do que uma pochete.

No fim das contas, caímos naquele imenso vale da mediocridade que existe entre a elegância fria dos jogos do Barcelona e o desespero arrebatador dos jogos do Flamengo.

[2014 foi o último presente do Brasil pro mundo, só possível porque alguém em algum lugar deve ter ligado um motor com gerador de improbabilidade infinita.]

E o McDonald's? Bom, o McDonald's também é um resquício de um mundo que acabou. Um monte de comida gorda e cheia de sal que não é nem lá nem cá -- não é propriamente saboroso, não é barato, não tem charme, não é saudável...

(Não é à toa que todo fast food é obcecado com a estética anos 1950).

Só tem um detalhe nessa história aí: a Copa começa sexta e eu já não aguento mais esperar e a minha frustração só cresce porque não consegui comer o maldito McItália e vai ser legal demais ver Portugal-Espanha na primeira fase e será que o Salah vai jogar e...

... e o detalhe é o seguinte: a Copa e o McDonald's ainda têm um apelo irrecusável para qualquer um da minha geração -- eles oferecem conforto. É sempre mais do mesmo, sempre a repetição um pouco piorada do que veio antes, mas está bom demais. Em troca, a gente ganha uma cronologia, uma história e a sensação de um fiapo que ainda organiza a vida coletiva e junta todo mundo em um mesmo assunto no papo de bar.

E a cereja do bolo é que de vez em quando acontece algo sublime, como a mão do Suárez para salvar o Uruguai contra Gana em 2010 ou o van Gaal colocando o goleiro reserva só para pegar pênalti e partir o coração da Costa Rica em 2014. No resto do tempo, o tédio é só o preço da estabilidade e do pertencimento, como nunca disse o Humberto Gessinger.

(O 7 a 1 foi a maior das dádivas).

De quebra, a Copa do Mundo ainda responde uma pergunta (que talvez ninguém jamais tenha feito, mas paciência): como pode um lugar que vende nostalgia e conforto inovar? Fácil -- vendendo sanduíche inspirado por outro lugar que vende nostalgia e conforto.

Nisso, temos a coleção de clichês nacionais, ingredientes industrializados e delícias que chamamos de sanduíches da Copa. É tudo tão nostálgico e confortável que nem faz diferença se a Itália perdeu para a Suécia e ficou de fora.

Afinal, a gente já sabe como seria a Itália na Copa -- futebolzinho modorrento, time mais bonito do álbum, zaga com mais de cinquenta anos de idade, umas botinadas, umas ajudinhas do apito amigo e, ocasionalmente, um título meio na surpresa. Qual a chance de o McItália ser diferente disso?

Bom, me digam vocês. Eu não consegui. Não sei se foi culpa da greve dos caminhoneiros, da apatia popular, do Temer ou dos comerciais odiáveis que o Tite faz, mas o McDonald's mais perto de casa está sem McItália há vários domingos. Na última vez, nem McBrasil tinha mais.

(E ainda dizem que as instituições estão funcionando.)

Felizmente, dá para ir longe só a partir da descrição oficial. Basta jogar um raio desglamourizador e pensar em qualquer outro sanduíche do McDonald's, porém com uma fatia de mussarela (com gosto de plástico, mas do melhor plástico do mundo) e tomate seco (idem).

(O McDonald's parece realmente acreditar que os italianos são fanáticos por mussarela e tomate seco.)

O resultado é o melhor possível: um sanduíche do McDonald's, com tempero extras. Dá azia, não mata a fome e custa 30 reais. Mas é um sanduíche do McDonald's: acaricia o paladar, é cheio de sabores conhecidos, tem a consistência perfeita e não desmonta quando você come.

Nota: 10/10

Amanhã: Fabio Portugal resenha o McFrança