(Originalmente Setembro de 2015)
Semana passada foi aniversário da minha namorada e fomos no Zaza Bistrô, um pequeno restaurante em Ipanema. É um daqueles lugares bonitinhos, bem decorados, cheio de pequenos detalhes "sacados" dos nomes no cardápio até os azulejos do banheiro. E fica a um quarteirão da praia, a comida é ótima, os garçons atenciosos... nota 8 de 10.
Éramos 5; eu, Luisa (minha namorada), a mãe e o pai e avó dela. O almoço foi ótimo até que a conta chegou.
Veio num baldinho azul bebê. Meu sogro pegou a conta tão rapidamente que eu não consegui nem fazer aquele jogo de "Oh, eu ía pagar, mas se você vai...tudo bem"
Porém, enquanto eu reclinava de volta, reparei que tinha algo dentro do baldinho além da conta: pequenos pergaminhos amarrados com fitas azul marinho. Tão fofa, pareciam tão... inofensivas.
Então falei "Ei, pessoal, olha só... eu acho que é tipo um biscoito da sorte, mas sem biscoito; só a sorte!"
Por que eu fiz isso...? Por que eu sempre falo quando devia ficar calado? Eu juro por Deus, eu tenho medo de ir a casamentos, porque eu SEI que quando o padre falar "Se alguém tiver algo contra que fale agora ou cale-se para sempre", eu simplesmente vou falar alguma coisa. É certo.
Enfim... Todo mundo achou muito fofo e minha namorada pegou todos os pergaminhos e distribuiu para cada um na mesa.
Eu abri o meu e dizia:
“Sério, cara. É hora de você fazer alguma coisa sobre sua vida."
...
Eu não lembro direito a ordem das minhas reações... mas tinha vergonha, raiva e medo rolando. Em retrospecto essas são algumas das minhas mais emoções/reações mais recorrentes MAS elas eram tão fortes, que me surprendi que ninguém tenha notado o treco que eu estava tendo.
Tudo aconteceu em segundos, mas de repente eu tava tipo
“Isso é uma piada? Eu to no Candid Camera? Deveria eu, portanto, sorrir?"
Sem zoação? Eu de fato comecei a sorrir por tipo 3 segundos pensando que TALVEZ este fosse o caso. Mas pelo segundo 4 eu pensei quão surreal seria o Candid Camera estar gravando no Brasil. No segundo 5 eu argumentei comigo mesmo que talvez fosse algo tipo um "Candid Camera World Edition" e aí pelo segundo 6 eu comeceu a scanear o lugar procurando câmeras escondidas até decidir que não era nada disso.
Sim, eu perdi muitos segundos nisso.
E aí a Luisa "Olha o que meu diz: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena"- Fernando Pessoa. Isso é TÃO eu!" e eu conseguiu sentir que ia dar merda mesmo antes dela completar dizendo "O que o seu fala, baby?"
Eu entrei em pânico.
Graças a Deus minha sogra foi rápida no gatilho e começou a ler o pergaminho dela. Eu não saberia dizer o que tava escrito porque, apesar de estar olhando para ela, eu simplesmente fechei completamente todos os meus sentidos. Tinha uma guerra acontecendo dentro da minha cabeça.
A parte direita do meu cérebro tava tipo “Yo, man... tem uma conspiração acontecendo aqui. Você tem que descobrir quem mandou essa mensagem! Isso é uma piada doentia da qual a gente deveria tá achando graça? Ou tem alguém por aí que SABE o quanto de um fracassado você é? A hostess na porta... deve ser ela. Ela viu você olhando pro decote dela e babando. Por que você sempre faz isso, cara? Por que você não consegue se controlar?! É patético, sabe? Você tem 31, mano. Pelo amor de Deus, toma tenência, deixa dentro da calça, seu tarado! Ou ENTÃO... peraí; é isso! Fato! Foi seu sogro! Ele tá puto porque você não pediu a mão da filha dele ainda!"
Já a parte esquerda do meu cérebro tava tipo: "'Cê tá doido, filho da puta? Foda-se essa porra de QUEM mandou a mensagem. Claro; você é um fracassado. Enorme. E, mais cedo ou mais tarde, todo mundo vai se dar conta disso. Mas não hoje, não agora! Você tem que reverter essa parada, cara, mas tem que ser rápido, senão você tá fodido!"
Eu decidi ouvir o lado esquerdo... principalmente porque ele foi bem mais sucinto e, mesmo que ela tenha sido mais áspero, ele o foi com boas intenções, então decidi que ia fazer o que é o esquerdo com o direito-- quer dizer; o que era direito com o esquerdo.
“Amor? O que o seu diz?”
“ah... Eu não sei. Eu não peguei um.”
Saída brilhante, né?
O problema é que essa ação só me comprou um pouco de tempo, porque Luisa rapidamente pegou um pergaminho sobressalente no baldinho enquanto sua avó lia o dela.
Eu abri o sobressalente, que dizia:
“Você não pode esconder a verdade. Conta pra eles que seu filme é um fracasso comercial e como todas as partes menos horrorosas do filme foram idéia de outras pessoas! Conta pra eles sobre como você tá prendendo todo mundo no seu próximo projeto porque você é tão merda no que faz! E aproveita e corta esse cabelo; quem você acha que tá enganando com essas franjas? Todo mundo consegue ver essas suas entradas ficando cada vez maiores: você tá ficando careca, meu amigo!"
Eu consultei o Lado Direito e o Lado Esquerdo do cérebro mais uma vez, mas foi direto para a caixa postal, onde uma mensagem gravada pelos dois dizia que eles foram de férias para a Península do Maraú. Eu me senti um pouco mal que eu só me dei conta que eles eram gays a esse ponto, 30 e tantos anos da minha vida... e, além disso, pensei se isso me fazia gay também.
Não teve tempo de chegar a uma conclusão, porque logo depois Luisa perguntou:
“Então, o que o seu diz?!”
Olhei todos nos olhos rapidamente. Eles estavam esperando, interessados. E isso é bem triste, porque geralmente ninguém se interessa em nada que vem de mim. A única coisa que eles esperam é que eu saia logo do lugar e os deixe sozinhos.
Todos na mesa já tinham lido os deles. Eu olhei para o papel de novo, respirei fundo e disse:
“A habilidade de falar não te faz inteligente - Qui Gon Jin”
...
“Qui Gon Quem? Que diabo é isso?”
“É um poeta do oriente médio... você não conhece ele?”
“hmmm...não”
“é, ele morreu cedo. lutando esgrima. uma pena. E esse Donald Trump, hein?”
E foi assim que o Star Wars salvou minha vida mais uma vez.