A quimioterapia é a maior conjunção entre a ciência e a fé.
Você mata, via processo científico, todas as células ruins (e as boas), na esperança - instrumento de fé - de que o corpo seja forte e rápido o suficiente pra regenerar, criar novas células saudáveis a tempo. Mas essencialmente o movimento pra isso é a destruição. Você torce pra que o corpo aguente. Às vezes ele não aguenta.
Ainda assim, ninguém vê a quimioterapia como uma tentativa de encerrar aquela vida. Coloca-se o paciente para passar por tudo aquilo porque se quer muito que ele continue vivendo e, uma vez vencida essas dificuldades, ele tenha uma vida ainda melhor, mais feliz; exatamente por ter sobrevivido toda aquela provação.
A gente tentou os processos científicos. Faltou a fé? A contagem de células tá e tem sido muito baixa, mas a última sessão tá quase aí...
Isolada, essa dor que vai vir da última e derradeira sessão talvez não seja nem tão forte. Mas comparativamente - pois tem sido tão exaustivo o processo, eu sei, eu vivo isso junto; é o nosso corpo - parece ser demais pra suportar. Será que é mesmo melhor jogar a toalha? Não vale a dor pra poder chegar a esse novo momento onde todas as células são transformadas e temos um corpo limpo e saudável pra aproveitar esse momento global de transformação?
Ou a transformação é abraçar a morte? Não consigo ver como. Mudam os signos; o processo continua o mesmo. E pior, porque a gente passará a viver pra sempre com a mágoa e a cobrança de não ter feito o suficiente. de não ter sido suficiente. com a dúvida embebida em ansiedade do "e se?". E isso é eterno; não tem fé nem ciência que vão trazer as respostas pra essas dúvidas e a pomada pra essas chagas. É ficar satisfeito com um tumor benigno, que é contido e não vai invadir outras massas (mas ainda vai causar um bando de doenças), ao invés de tentar erradicar de vez um tumor maligno e poder viver livre e saudável.
Se há dúvidas: eu escolho aguentar a quimio do maligno. Todas as vezes. Porque lembro como esse corpo saudavel era lindo, e amo ele mesmo na doença, fraco. Porque acho que ele merece o que há de melhor e trocar uma quimio no fim por uma desde o início não é o melhor. E porque tenho fé que tá quase lá e o processo ciêntífico vai ter valido a pena.